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Uma “Via Sacra” Diferente! – Memórias de um Soldado Brasileiro


Estávamos na Itália como participante da Força Expedicionária Brasileira.

Eu pertencia ao 1° pelotão da 2ª companhia do Regimento Sampaio (1° RI). Na sexta-feira da paixão em 1945, o meu pelotão, comandado pelo então 1° Tenente. Fredímio Trota foi designado para formar uma patrulha noturna afim de verificar se um casarão (tipo casa de chácara) que havia na “terra de ninguém”, encosta de morro onde estavam os alemães bem à nossa frente, estaria sendo usada ou não pelos alemães como posto de observação de nossas posições. Como sabemos, as posições tanto nossa como as do inimigo eram situadas seguindo os caprichos das sinuosas linhas de cristas das elevações que se contrapunham. Em linha reta, ora estavam próximas ora se distanciavam um pouco, mas as variações eram cerca de 300 a 500 metros. Para a sortida em patrulha, a coisa mudava de figura, tínhamos que descer ao fundo do vale que os separava e em seguida galgar as encostas em direção às linhas alemãs, multiplicando as distâncias. Assim a patrulha saiu às 20 horas e como de costume, caminhávamos pé ante pé. Não se dava uma palavra, Apenas um cochicho aqui outro ali e comunicação por gestos, pois andávamos bem próximos um dos outros, cuidando para que o companheiro não se desviasse da rota. Nessas condições leva-se horas para percorrer 400, 500 metros, um tempo extraordinário… Fomos chegar ao objetivo passava da meia noite.

Chegamos, cercamos a cara (era grande) e usando pequenas lanternas em formato de cachimbo, verificamos cômodo por cômodo. Encontramos vestígios, gorros alemães, pequenos restos de comida (pão), mas alemão mesmo, nenhum. Após isso todos foram se comunicando em vozes mais altas. Houve a ordem de retrair. O retorno era por uma estradinha carroçável (quase um carreiro coberto de grama e arbusto).Fomos regressando. Comunicação feita pelo rádio. “Não foi encontrado inimigo na posição tal!” e como é natural, ninguém pode evitar isso, houve aquele suspiro, um alívio. Quando estávamos a uns 150 metros da casa as metralhadoras alemãs entraram em ação (eles tinham posto “lurdinhas” em posições bem distantes da casa em um monturo de folhas e lixo), havíamos verificado apenas a casa e pagamos o preço…

As descargas pegaram o pelotão em cheio, a caminhada em declive e a rapidez em que nos jogámos no solo fez o milagre de não ter havido baixas. Mal havia deitado e percebi que no outro lado da estradinha havia uma pequena valeta para escoamento das águas. Resolvi atravessar a estrada em busca de abrigo melhor. Atravessei a estrada num lance com as balas traçantes passando entre minhas pernas e cai do outro lado. Junto a mim um soldado do meu grupo, Joaquim, também nordestino acompanhou-me. Cai na valeta e ele junto. A partir daí o soldado passou a fazer uma chamada de santos… Ele não pedia socorro (tal como: Me ajude, me proteja, etc) ele só dizia São Benedito, São Sebastião, São Luiz, São Francisco, São Leão. Começou a desfiar um rosário de nomes de santos que eu até hoje não sei se existem.

Em seguida às “lurdinhas”, os alemães mandaram uma chuva de monteiros que por terem usado “alça longa” caiu à nossa frente, a considerável distância fazendo o declive nos proteger! Embora tenha “barrado” o nosso retorno por bastante tempo. Aguardamos imóveis no terreno e cessada a refrega regressamos silenciosos chegando quase ao amanhecer com a missão cumprida, pois essas armas alemãs foram devidamente mapeadas para serem neutralizadas durante a “operação encore” (ofensiva geral sobre os alemães) que se desencadearia brevemente.

Este foi o meu exercício de “Via Sacra” na paixão de 1945. Claro que me obstive de falar sobre Joaquim com os companheiros para não haver as inevitáveis gozações.

Souza

(Recife, Páscoa de 2005, 60 anos depois)

 Nome: Severino Gomes de Souza

Graduação na FEB: Terceiro Sargento

Funções: Comandante de Grupo de Combate

                Comandante de pelotão (48 horas – Monte Castelo)

                Orientador de Pelotão

Posto Atual: Capitão Reformado

Formação Civil: Administração de Empresas (Diploma UFPe)

Condecorações:

                Cruz de Combate

                Medalha de Campanha

                Medalha de Guerra

                Medalha de Tempo de Serviço

                Medalha Monte Castelo

                Medalha Mascarenhas de Morais

                Medalha Asp. Mega

  Residência Atual:

Candelária – Natal-RN

  1. washington jadum de campos
    19/08/2011 às 1:38 PM

    que linda história, mende-me mais, obrigado.

  2. Luiz Claudio Pimentel
    05/10/2011 às 7:57 PM

    Agora agente ri dos comentarios sobre o praça chamando os santos, mais na hora do tiroteio não e nada engraçado rssssssssssss

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