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A Reintegração Social dos Ex-Combatentes da FEB – Parte IV

Texto de Autoria do Professor Mestre Alessandro dos Santos Rosa:

CONTINUACAO

 

 

1.1 O Brasil sai de “cima do muro”: a criação da FEB

 

As primeiras providências tomadas em torno da Força Expedicionária Brasileira deixaram evidente que, mesmo parte dos militares responsáveis por tal mobilização, não acreditavam na possibilidade da participação brasileira no cenário da Segunda Guerra Mundial. Atitudes negativas como essa, somadas a outras tantas, direcionaram para a desorganizada desmobilização no pós-guerra.

Como analisado anteriormente, o governo de Getúlio Vargas foi direcionado a apoiar os países aliados, pois havia uma ampla e profunda diplomacia entre ambos os países. Surgem então, os episódios dos torpedeamentos dos navios brasileiros na costa brasileira e em águas internacionais, no ano de 1942, sendo os alemães responsáveis pelos atos. Dessa forma, nos grandes centros, onde as pessoas acompanhavam com maior proximidade a evolução dos acontecimentos e era possível uma junção de massas sociais, pessoas ligadas principalmente a instituições políticas, manipulavam esses grupos para que solicitassem uma atitude dos políticos e demais autoridades do país. Eles exigiam a participação do Brasil no conflito armado, pois o principal argumento que se utilizava era que a honra dos brasileiros estava manchada sendo necessária uma reação.

Contudo, esse é um ponto de vista que autores como Joaquim Xavier da Silveira[1] defendem: “o clima era de total repúdio e, como acontece nessas ocasiões, desmandos são feitos, agitadores profissionais encontram clima para suas tendências. Multidões acorreram ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, exigindo a guerra”, segundo um ponto de vista oficial, não sendo único e verdadeiro.

Concomitante a todo esse cenário, os norte-americanos pressionavam para que Getúlio Vargas decidisse a quem apoiaria, ofertando um investimento na parte de infra-estrutura no campo industrial do país e o reaparelhamento das Forças Armadas, as quais se encontravam sucateadas, conforme já analisado. O desencadear dessas promessas de investimentos tem como objetivo central, legitimar a entrada do Brasil na guerra o que, de fato, acaba acontecendo com a declaração de guerra no dia 22 de agosto de 1942, conforme abordagem anterior.

Em relação à bibliografia que aborda o contexto da historiografia da FEB, o processo de mobilização, atuação e retorno foi realizado, num primeiro momento, a partir de uma análise de pesquisas ligadas a história militar oficial. A maioria dessas obras enaltece a imagem dos militares, principalmente daqueles que se encontravam no alto-comando da força expedicionária e combateram contra os regimes ditatoriais, e fazem reflexões sobre os problemas sociais surgidos após a desmobilização. O maior número dessas obras foi de contribuições realizadas por oficiais do alto escalão da FEB, tendo como editora a BIBLIEx, Biblioteca do Exército.

Pelo fato das obras, em sua maioria, serem de autoria de militares, acabam convergindo em uma mesma direção, pois mesmo se tratando de relatos do campo de batalha, há uma preocupação com a própria memória da instituição. A preservação da integridade desta está relacionada à capacidade dos líderes militares se destacarem como comandantes. Na obra do comandante da FEB, General João Batista Mascarenhas de Moraes[2], há destaque do momento em que se dá a criação da FEB, pela organização do efetivo que partiria para a Itália, e contempla a chegada no Teatro de Operações[3](TO).

Ainda, comenta como devem ser os procedimentos de um General, comandante de um contingente em situação real de guerra, como o mesmo deve se portar frente a grandes peças de manobras, que sejam os batalhões, e como direcioná-las no campo de batalha. Faz, também, reflexões sobre decisões tomadas com correções e outras que foram deixadas de ser aplicadas e que poderiam ter trazido resultados mais positivos. Ou seja, a obra também traz uma abordagem em torno do aspecto de que o chefe militar, no caso, General deve colocar em prática os altos estudos realizados em escolas com essa finalidade dentro das forças armadas.

Outra obra analisada é a do Chefe do Estado Maior da Força Expedicionária Brasileira, coronel Floriano de Lima Brayner[4], que procura enaltecer o papel desempenhado pelo estado-maior da FEB, sendo ele um dos componentes deste. Apresenta-se como grande crítico de como foi organizado e mobilizado o efetivo expedicionário, utilizando da crítica também para analisar como algumas autoridades do governo do Estado Novo se utilizaram de mecanismos para a mobilização de artifícios contra a FEB. Ainda, realiza reflexões sobre o retorno dos expedicionários e o fim da Força Expedicionária.

As obras acima mencionadas, mesmo procurando relatar sobre o episódio da participação da FEB no contexto da Segunda Guerra Mundial, mantêm-se quase sem críticas a instituição e a possíveis falhas ocorridas nas ordens emitidas nos campos de batalha, com exceção feita à obra do coronel Lima Brayner. Em situação contrária, os oficiais de postos inferiores, como no caso dos oficiais da reserva[5], lançam uma coletânea – Depoimentos de Oficiais da Reserva sobre a FEB. São Paulo: IPÊ – Instituto Progresso Editorial S.A., 1950 – em que acabam criticando seus chefes militares, colocando-se contra alguns discursos apresentados pelo general Mascarenhas de Moraes e, em parte, pelo coronel Brayner.

Essa coletânea, logo após a sua edição, foi apreendida. Isso ocorreu em função da obra contestar, como falamos acima, muitas ordens vindas do escalão superior. Seus depoentes eram oficias que se encontravam no comando de pequenas frações, eram executores de ordens e, segundo consta na obra, uma quantidade expressiva de ordens das quais discordavam. Se essas ordens tivessem sido mais bem analisadas, teria evitado consequências mais graves, como a perda de militares em situações de combate desnecessárias. Essa coletânea teve, ainda, mais duas edições entre o final da década de 1950 e início da década de 1960.

Obras como a de Joaquim Xavier da Silveira[6], permitem uma análise da formação da FEB e de quem estava sendo comandado, das dificuldades enfrentadas no Brasil e em solo italiano, das aspirações da soldadesca, do cotidiano do campo de batalha e realiza, de forma mais suave, algumas críticas sobre os militares que estavam no comando dos expedicionários. Silveira também escreve sobre a dissolução e a desmobilização da FEB. Interessante frisar que o autor realiza ainda observações sobre como ficaram os ex-combatentes após o retorno, as legislações e associações, mencionando sobre o descaso das autoridades frente aos ex-combatentes.

O autor Francisco Ferraz César Alves[7], em sua pesquisa de doutorado, faz uma abordagem sobre a historiografia internacional, relacionando os ex-combatentes e a sua inserção dentro da sociedade em lugares diferentes do mundo. Fala sobre a formação da FEB, sua partida para a Itália e sua participação em combate. Ainda, analisa a receptividade e desmobilização da FEB, trazendo à luz problemas ignorados por entidades, tanto políticas como também militares, como a reintegração social dos veteranos de guerra. Seu estudo se encerra verificando até onde trabalha o ex-combatente como agente de memória.

A autora Sirlei de Fátima Nass[8] também pesquisa sobre a mobilização da FEB, sua partida e retorno. A ênfase trabalhada em sua pesquisa é no que tange a forma como foi realizada a desmobilização e o problema social gerado por essa atitude mal planejada.

Essas duas últimas obras, principalmente, abordam temas que eram evitados pelo alto-escalão das Forças Armadas. Ambas as pesquisas alinham-se com o objeto principal da aqui proposta, qual seja, o de realizar uma análise de como ocorreu o processo de inserção social dos ex-combatentes, com ênfase na legislação e sua aplicação. Essas pesquisas já possuem uma abordagem em torno desse processo, são estudos importantes, porém, não esgotam o assunto. Buscaremos uma compreensão de como as legislações, que foram criadas logo após findar a guerra, demoraram tanto até chegar ao destino final, ou seja, naquele combatente que se encontrava distante, retirado dos grandes centros.

O assunto sobre a reintegração social será devidamente abordado em capítulo específico dessa dissertação, mas não nos restringiremos a esse tema. Também falaremos como foi o retorno para a vida civil, as discriminações sofridas e as lutas diárias. Realizaremos, também, uma abordagem sobre as facilidades surgidas durante a guerra, aspecto a ser abordado no transcorrer dessa pesquisa.

 O Brasil se colocava, frente ao cenário da Segunda Guerra Mundial, dentro de uma faixa de neutralidade camuflada. No ano de 1942, conforme analisado anteriormente, muita pressão e vários acontecimentos acabaram direcionando e aproximando, de forma definitiva, as ideologias brasileiras junto daquelas apresentadas pelos países aliados.

Além dos acontecimentos citados acima, ocorreram acordos políticos, o que permitia a utilização das costas marítimas brasileiras pelos norte-americanos, de onde seriam desencadeadas operações militares aeronavais. No conjunto de acordos ficou acertado a participação do Brasil com tropas militares e, também, uma modernização das forças armadas.

No dia 15 de março de 1943, Getúlio Vargas aprovou o envio de tropas brasileiras para combater na Segunda Guerra Mundial. O primeiro passo para a concretização da Força Expedicionária Brasileira foi a criação da Portaria Ministerial 47-44 do dia 13 de agosto de 1943, que regulamentou a criação da 1ª DIE – Divisão de Infantaria Expedicionária. Ficou definido que seria composta da seguinte forma: de um Quartel Geral, Estado-Maior Geral, Estado Maior especial e Tropa Especial, Infantaria Divisionária, Artilharia Divisionária, Batalhão de Engenharia, Esquadrão de reconhecimento, Batalhão de Saúde, Companhia de transmissão e esquadrilha de Aviação.

Importante lembrar que aquele momento não era nada favorável para tal evento, pois as Forças Armadas se deparavam com dificuldades de grande porte. As barreiras a serem ultrapassadas eram complexas e exigiam um esforço de grande vulto, apesar do aumento de efetivos que se deu na década de 30 e do aumento do orçamento destinado para as Forças Armadas, como analisado por Dennison de Oliveira[9]:

O exército possuía, em 1930, um efetivo de quase 48 mil homens, passando a pouco mais de 80 mil, em 1936, e atingindo mais de 171 mil, em 1944. Tamanho crescimento nos efetivos correspondeu também ao aumento de verbas alocadas para o exército. Em 1930, lhe eram destinados 12,3% das verbas do orçamento federal, passando para 17,6% em 1936, e 19%, em 1940.

O autor não nos proporciona, por intermédio dessas informações, um entendimento da precariedade orçamentária e pessoal que assolava e debilitava a operacionalidade das instituições militares. O sucateamento dos materiais destinados ao emprego militar ainda era presente, sendo outro aspecto que comprometia a eficiência militar e treinamentos. Para termos idéia da real situação, as Forças Armadas faziam uso de equipamentos utilizados na Primeira Guerra Mundial e contavam com um exército que se movimentava, em grande parte, por meio de transporte hipomóvel, ou seja, no lombo de cavalos. Até mesmo as doutrinas militares encontravam-se ultrapassadas. Para agravar ainda mais todo esse contexto, havia resistências dentro do próprio meio político e meio militar contra a formação da FEB.

A organização da Força Expedicionária estava fadada a romper barreiras, a ultrapassar grandes obstáculos. A operacionalidade e estratégia militar seguiam a Doutrina Francesa, a qual já se encontrava, nesse momento, ultrapassada, sendo necessária uma adaptação nos estabelecimentos de aperfeiçoamento militar e seguir as novas e modernas diretrizes norte-americanas. Após o rompimento desses primeiros obstáculos iniciava-se uma nova e importante atividade da recentemente criada FEB, a seleção daqueles que comporiam o único efetivo sul-americano a participar de forma prática das atividades de “combate em campanha”[10] nos solos da Europa.

A expectativa ambicionada, inicialmente, era mobilizar em torno de cem mil homens para singrar o oceano atlântico e chegar à Europa. Devido às dificuldades e a demora da mobilização, foram enviados pouco mais de 25.000 homens. O conflito já se encontrava em um estado bem adiantado, fato esse que não tirou a importância e o brilhantismo da participação brasileira nesse episódio. A primeira medida tomada pelo Estado-Maior das forças armadas, após a criação da FEB, foi formar uma Comissão Militar Brasileira, chefiada pelo General Mascarenhas de Moraes. Este grupo tinha por objetivo específico realizar um reconhecimento nos campos de batalha da Europa, principalmente no continente africano, cuja intenção, inicialmente, era empregar as tropas brasileiras.

A atividade era considerada pelas autoridades político-militares de grande importância, pois seriam verificadas as condições gerais dos campos de batalha que se apresentariam para os expedicionários. Seria possível analisar as condições climáticas, de terreno, as necessidades de emprego de material militar, que tipo de uniforme se fazia necessário e tantos outros aspectos peculiares. Porém, tal missão não foi levada tão a sério por aqueles que constituíram a Comissão, já que nem foi realizado um planejamento minucioso, como analisado por Floriano de Lima Brayner[11]:

Não houve um planejamento adequado para a constituição da comissão, nem para o desenvolvimento de sua missão. O chefe do Estado-Maior Divisionário não acompanhou o Comandante da Divisão. Subestimou-se, de um modo geral, a missão de alta importância que a FEB deveria cumprir nesse primeiro contato com a realidade da guerra.

Essa narrativa mostra, de forma evidente a descrença que imperava entre as altas autoridades que compunham a FEB. Não se tinha a certeza da participação brasileira na guerra devido à conjuntura precária em que se encontravam as forças militares, fato esse que acabava desacreditando a possibilidade de viabilizar a constituição desse efetivo, como abordado por Joaquim Xavier da Silveira[12]: “os obstáculos iniciais para organizar a FEB foram enormes, tanto no campo material, como no político – neste, houve eficiente passividade na colaboração, acompanhada por uma campanha de descrédito”.

Procedimentos de tamanha irresponsabilidade trouxeram como principal consequência o despreparo. A participação concretizava-se a todo instante, porem as preocupações com organização e preparação mais minuciosa acabavam ficando relegadas a um segundo plano. Até mesmo porque os responsáveis em adequar as tropas para o emprego em condições adversas não demonstravam grande interesse e entusiasmo. Ao que se pode analisar, assim seguiu ate o momento da partida.

BIBLIOGRAFIA

 

BRANDI, Paulo. Vargas: da vida para a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

 

BRAYNER, Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB: memórias de um chefe do estado-maior na campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001.

CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Edusp, 2000.

EICKHOFF, Renato. A Força Expedicionária Brasileira e os seus veteranos. 2005. 42 f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura Plena) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2005.

FERRAZ, F. C. A. O Brasil na guerra: um estudo de memória escolar. Comunicação apresentada no IV Encontro Perspectiva do Ensino de História. Ouro Preto. Universidade Federal de Ouro Preto, 24 de abril de 2001. Anais da ANPOC.

 

MORAES. J. B. M. de. A FEB pelo seu comandante. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1947.

NASS, Sirlei de Fátima. Legião Paranaense do Expedicionário: indagações sobre a reintegração social dos febianos paranaenses (1943-1951). Dissertação – UFPR, 2005.

OLIVEIRA, Dennison de. Os soldados alemães de Vargas. Curitiba: Juruá, 2008.

RIBEIRO, P. da S. As batalhas da memória: uma história da memória dos ex-combatentes brasileiros. Niterói, 1999. Dissertação (Mestrado em História): Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense.

SALUM, A. O. Zé Carioca vai à Guerra. São Paulo, 1996. Dissertação (Mestrado em História) Pontifícia Universidade Católica.

SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo de envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial. 3.ed. Barueri, SP: Mamole, 2003.


[1] SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001. p. 43.

[2] MORAES. J. B. M. de. A FEB pelo seu comandante. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1947.

[3] Se compõe de todas as peças de manobra em um campo de batalha. Envolve a parte logística, alimentação, roupa, etc, e a parte operacional, viaturas, armamentos, pessoal, etc.

[4] BRAYNER. F de L. A verdade sobre a FEB: memórias de um Chefe do Estado Maior na Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

[5] Depoimentos de Oficiais da Reserva sobre a FEB. São Paulo: IPÊ – Instituto Progresso Editorial S.A., 1950.

[6] SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado… op. cit, 2001.

[7] FERRAZ, Francisco César Alves. A guerra que não acabou… op. cit. p. 127-145

[8] NASS, Sirlei de Fátima. Legião Paranaense do Expedicionário… op. cit. 2005

[9] OLIVEIRA, Dennison de. Os soldados alemães de Vargas. Curitiba: Juruá, 2008. p. 52.

[10] Atividades de combate em conflito armado.

[11] BRAYNER, Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB: memórias de um chefe do estado-maior na campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p.21.

[12] SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado… op. cit. p. 56.