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Memórias de um Soldado de Hitler – Parte II

Para que não acompanhou a primeira Parte: Memórias de um Soldado de Hitler – Parte I

Aguardem a última parte.

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Algo de novo no front

  O moral da tropa era elevado. Metelmann logo se envolveu em operações antiguerrilha e, na primavera, viveu seu primeiro grande combate. Em pouco tempo, ele já era um soldado experiente, que apreciava a sabor da vitória.  Joanna Bourke, em sua obra prima Intimate History of killing [A História intima do ato de matar, não publicado no Brasil], afirma que “a atitude de característica dos homens durante a guerra não é morrer, é matar”. Que a matança pode ser agradável é uma coisa de Metelmann está preparado para admitir. “Nós, homens, nos sentimos muito bem quando derrotamos um adversário, conquistamos uma vila, expulsamos o inimigo”, confessa.

 

Em pouco tempo, ele entrou para o Sexto Exército de Hitler, que contava com mais de 200 mil soldados, e logo estava avançando 80 quilômetros por dia. Rapidamente, aprendeu o idioma russo e começou  conversar com a população local. Assim, surgiram as primeiras dúvidas sobre a guerra – que foram imediatamente reprimidas, diga-se de passagem.

 

Ferido, passou a trabalhar como guarda em um campo de prisioneiros enquanto se recuperava. Lá, para escapar do tédio, ficou amigo de um comunista detido, com quem conversava à noite, através do arame farpado. Ficaram íntimos e começaram a discutir política. Metalmann se lembra de se sentir desconfortável e confuso com a conversa. Por fim, o jovem comunista foi levado a interrogatório e fuzilado. “Isso me deixou muito triste, mas fiquei feliz em poder volta à linha de frente. Lá, não havia complicações. ‘Matar ou morrer’ era fácil de entender”, diz.

 

No front, Henry Metelmann viu russos sendo fuzilados, homens feridos legados à morte, civis friamente executados. Foi um cruel processo de brutalização. A ideologia de superioridade racial alemã parecia justificar tudo, e a pressão de seus camaradas encorajava o conformismo. Tanto que não demorou muito para que ele mesmo começasse a agir como se tudo fosse natural.

 

Quando foram encontrados corpos de soldados alemães mortos à queima-roupa com as mãos amarradas, ele se enfureceu. Pouco depois, quarenta militares russos se aproximaram com as mãos levantadas e bandeira branca – e foram metralhados. “Se um soldado levanta as mãos, você não luta mais com ele, você não o mata, mas nós matávamos. A partir de então, e por um bom tempo, não fizemos mais prisioneiros pela frente”, lembra Metelmann.

 

Nasce um Selvagem

 Em setembro, o Sexto Exército chegou a Stalingrado. A divisão de Metelmann foi posta ao lado do exército romeno, protegendo as vulneráveis linhas de suprimentos que chegavam à cidade, onde milhares de homens estavam engajados em uma batalha titânica. Em 19 de novembro, ele se viu em meio a um contra-ataque russo, que libertou Stalingrado e destruiu por completo o Sexto Exército. “Stalingrado foi um divisor de águas da companha russo, um divisor de águas da Segunda Guerra Mundial e também um divisor de águas para o insignificante soldado Henry Metelmann”. Ele foi o único sobrevivente de sua unidade. Durante dias, vagou pela neve até encontrar outros soldados e formar um grupo de combate temporário.

Metelmenn concedeu entrevista a Jonathan Hacker – BBC History

Memórias de um Soldado de Hitler – Parte I

Aos 79 anos, Henry Metelmann é jardineiro da escola pública Chaterhouse, em Surrey. Sudoeste da Inglaterra. Com um sorriso no rosto e grandes olhos brilhantes, ele corta a grama, cuida das flores e poda as árvores, com calma e delicadeza. Difícil imaginar que esse velhinho simpático uma dia foi um nazista dedicado, lutando contra tudo e contra todos “pelo Füher, pelo Povo e pela Pátria”. Mais difícil ainda acreditar que ele assassinou civis inocentes e atirou em dezenas de soldados soviéticos, justamente no momento em que eles tentavam se entregar.

Quando comecei a entrevista Metelmann, perdi o fôlego com sua honestidade. Eu já havia conversado com outros veteranos nazistas e nunca tinha visto algo assim. Não que eles quisessem mentir, mas sempre me parecia que não queriam lembrar os fatos com muita precisão. Esse senhor, ao contrário, estava decidido a conta sua história sem meias palavras. Hoje, ele vive sob o peso da culpa e é um empenhado pacifista, “disposto a tudo para que outros não sigam seus passos”.

Segundo o historiador Michael Burleight, no livro Third Reich: a new History [não publicado no Brasil], os nazistas nunca conseguiram ter tomado o poder sem o consentimento do povo. Ele é incisivo em afirmar que a Alemanha, com um todo, foi responsável pelos crimes cometidos em seu nome: “a população estava desesperada por uma identidade e por um milagre econômico . por isso, não houve qualquer revolta quando o país, durante o Terceiro Reich, desviou-se do bem para o mal. O que houve foi apenas uma realinhamento moral”. Nesse sentido, Metelmann é uma figura arquetípica.

Crianças de Hitler

 

Henry Metelmann foi criado nos arredores de Hamburgo, norte da Alemanha. Seus avós tinham uma vida abastarda, mas perderam todo o dinheiro na depressão que assolou o país após a Primeira Guerra Mundial. Assim, Henry já nasceu na pobreza – e tinha apenas doze anos quando Hitler subiu ao poder. Ainda criança, ele já era simpatizante nazista ativo: “para mim, Hitler era um segundo Deus”.

Logo, o grupo de jovens cristãos a que pertencia foi absorvido pela Juventude Hitlerista. “ Pertencíamos a alguma coisa pela primeira vez na vida. E eu adorava o uniforme. As pessoas nos saudavam pelas ruas. Era fantástico. Só havia um menino em minha classe que não pertencia à Juventude”, lembra Metelmann.

Empenhado em se torna útil, ele se ofereceu como voluntário para, aos sábados, ajudar a bloquear as lojas que pertencessem a judeus. Ele conta que, na mesma época, também assistiam a vizinhos serem presos e pessoas serem espancadas pelos militantes nazistas. Mas Metalmann não tinha dúvida quanto ao que estava acontecendo: “eu parava para pensar e chegava à conclusão de que, para se ter uma sociedade decente, era preciso força aquelas pessoas a entra na linha de uma vez”.

Seu pai, um veterano da Primeira Guerra, acreditava nos ideais esquerdistas; sua mãe era um cristã devota. Nenhum dos dois apoiava o Nacional-Socialismo, mas este deu poderes ao pequeno Henry, concedeu-lhe autoridade para se rebelar contra eles. “Tivemos ferozes discussões com meu pai, até chegar o momento em que ele não ousava mais argumentar comigo. Sei de jovens que chegaram a entregar seus pais como traidores – o que era suficiente para mandá-los a um campo de concentração”.

Em 1941, aos 18 anos, Henry Metelmann foi recrutado para pilotar um Panzer, o famoso tanque de guerra nazista. “Éramos cãezinhos querendo nos livrar das amarras”. De trem, foi enviado ao front russo. Para ele, a guerra era 100% justificável àquela altura. “Éramos a maior nação do mundo, Éramos mais inteligentes e mais eficientes do que os outros, e Deus nos havia dado a missão de abrir caminho sobre as Untermenschen – Classes inferiores”. Na fivela de seu cinto estavam escritas as palavras: “Gott mitt uns” (Deus está conosco) e seu comandante vivia lembrando que eles tinham um “dever sagrado”.

Ele chegou à Criméia (atual Ucrânia), em dezembro de 1941. Lá, ninguém do círculo de Metelmann questionava o propósito da guerra, nem criticava a ordem de expulsar os habitantes locais de suas casas – mulheres e crianças, em sua maioria – em pleno inverso russo, provavelmente condenando-os à morte. “Tinham-se medo de questionar uma ação como essa. Seus colegas poderiam pensar que você gostava dos inimigos”, admite.

A Experiência Cruel

“A lembrança mais dolorosa que tenho é do ponto de vista humano. Estávamos em nosso tanque quando um colega disse : “Olhe, maçãs !”. Tínhamos chegado a uma espécie de sítio. Eu estava guiando o tanque. Desci, então, para colher maçãs para nós. Neste momento, vi uma mulher debruçada sobre uma menina que deveria ter uns doze anos. Tinha sido atingida por um disparo. O sangue saía da ferida aberta no corpo da menina. Pensei: “Não posso fazer nada”. A mulher – a mãe da menina – levantou-se, olhou para mim e disse: “Veja o que vocês fizeram ! Minha filha estava vindo para dar as boas-vindas a vocês, soldados ! O que ela estava trazendo para vocês era pão e sal – que é um sinal de boas-vindas. E vocês a mataram!”. Eu me lembro de que a menina ainda estava respirando. Voltei para o tanque. Um dos meus colegas perguntou: “Cadê as maçãs ?”. Eu disse : “Acabei de ter uma experiência terrível. Nós matamos uma menina! Ela está ali, no chão. Não podemos fazer nada!”.  Meu colega disse : “Ah,  não importa! É somente uma russa…”

AGUARDEM SEGUNDA PARTE!